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A viùva da seca

I Rs 17,7-16

Norma SERRA


 

«Página Neobíblica» que ha obtenido el accesit en el concurso de Páginas Neobíblicas, otorgado por la Agenda Latinoamericana’2005

 

No sertão do Ceará, vivia Severina com seu filho Raimundo, o caçula dos onze que tivera. Dez haviam ido embora, cada um de um jeito. Quando o marido foi para São Paulo tentar ganhar algum dinheiro para mandar buscá-la e as crianças, ela sabia que ele não voltaria como não voltou. Os três filhos mais velhos: Jacinto, Zé Bento e Antonio, como o pai, um dia tomaram o mesmo caminho em busca de trabalho. Rosa a mais velha das mulheres, quando completou dezesseis anos, também se foi na boléia de um caminhão que passou. Severina com os olhos secos, pois lágrimas não tinha mais para chorar, e com a tristeza que só as viúvas da seca têm, viu a filha sumir na poeira da estrada.

Às vezes Severina pensava na sorte que Deus lhe dera: um marido e onze filhos. Quatro tinham ido pra longe. Ficaram sete bocas para ela alimentar. Vez ou outra reunia forças e ia ao povoado receber uma cesta que não dava nem para uma semana-feijão, farinha, açúcar, sal, macarrão e óleo. Arroz e tempero nunca vinham. Assim, era cozinhar na água e sal para encher a barriga. Aprendeu a sobreviver com o quase nada que o lugar oferecia.

Um dia... Severina nem gostava de lembrar. A seca era grande e não chovia há muitos meses. Ela e as crianças caminharam muito para pegar água, mas o que encontraram foi uma cacimba com água barrenta (era poluída e ela nem se deu conta). Não tinham forças para ir adiante. O jeito foi levar aquela mesmo. Não passaram nem duas horas que as crianças haviam bebido aquela água da morte, quando o pior aconteceu. Era diarréia e vômito que não acabava mais... Severina entrou em desespero. Não havia médico, nem remédio e nem uma erva que pudesse aliviar... E as crianças, piorando... Naquela noite, a mais terrível de sua vida, ela viu um por um, dos seus seis filhos morrerem sem socorro, pedindo água e comida. Fome, doença e morte! Só o mais novo, o Raimundo com sete anos (sabe-se lá por quê), sobreviveu.

Severina pensou que ia enlouquecer, mas quando foi até a cidade pedir ajuda na Prefeitura para enterrar as crianças, ela só sabia dizer: «Deus sabe o que faz!»

Severina ficou com sua imensa dor, sua saudade e seu filho Raimundo. Os anos passaram mas não a seca. Agora era Raimundo quem andava quilômetros para conseguir água e comida.

Ela estava velha, acabada, sofrida e sem forças.

Numa tarde quente, abafada, mas de céu azul com pequenas nuvens no horizonte, Severina foi recolher gravetos para acender o fogão e cozinhar para ela e o filho o que ainda restava. Era tão pouco o que tinha... Estranhamente, viu alguém se aproximando. Por aquelas bandas, quem seria?!... Esperou chegar mais perto.

-Por favor, me dê um pouco de água para beber! Caminho há muito tempo sem encontrar viva alma! – falou o homem.

-Aqui é lugar que parece que Deus esqueceu, moço! Só tem poeira e secura! -respondeu Severina. Com os gravetos na mão magra e ressequida, Severina e o visitante dirigiram-se para a casa simples, quase um casebre. Pegou a moringa, e colocou um pouco de água num caneco.

Ficou olhando ele beber. Depois, puxou conversa.

-Como é o seu nome e de onde o senhor vem?

-Me chamo Hermanus. Minha mãe queria que eu me chamasse Elias. Meu pai teimou e me registrou como Hermanus, mas minha mãe sempre me chamou de Elias. Hoje todos me conhecem por este nome. Mas minha senhora-desconversou-, eu preciso de algo para comer.

Severina tremeu. Só tinha um pouco de farinha de milho para fazer uma broa quando o seu filho chegasse! Depois, eles iriam esperar o fim.

-Moço, se eu lhe der o pouco que temos, vamos morrer mais depressa – falou Severina.

- Preciso comer, disse Elias com voz firme.

Severina se rendeu àquela ordem e colocou o que restava de farinha de milho numa vasilha, a pitada do sal que sobrara e a água. Amassou com as mãos esquálidas e colocou para assar no fogão. Depois se acocorou junto à porta. O homem foi para fora e ficou olhando o céu.

Raimundo de longe viu aquele estranho. O que teria acontecido?! Passou por ele e cumprimentou:

-Tarde, moço!

Elias continuou imóvel e pareceu não ouví-lo.

Raimundo chegou cansado, cheirando a suor. Seu corpo há muito não sentia a água de um banho.

-Mãe, quem é esse homem ?

Ela contou para o filho e os dois ficaram pensativos, até que o cheiro da broa assada os trouxe de volta à realidade e aguçou-lhes a fome.

Severina tirou do fogão com uma pá de madeira o último alimento que tinham. Segurando com um pano a broa quente, partiu-a em três pedaços. Entregou o primeiro a Elias- afinal ele era o visitante- o outro ao seu filho e ficou com o terceiro, que era o menor e pensou: o que seria deles, amanhã?!

-Vamos agradecer a Deus por esse alimento– falou Elias.

No sofrimento e na dureza da vida, Severina aprendera a dar graças pelo pouco que conseguia. Até quando seus filhos morreram, ela agradeceu a Deus por livrá-los do sofrimento!

A pobre mulher, vivendo a vida toda no sertão, achava que tudo que acontecia, fosse bom ou ruim, era vontade de Deus. Nunca lhe passara pela cabeça, que o seu sofrimento e o de milhares de famílias miseráveis que padecem com a seca, fosse culpa dos homens, da política suja e da ganância dos poderosos que desviam a água que é destinada aos pobres, para seu gado, suas plantações e suas piscinas. Que a seca poderia ser minimizada com projetos de perfuração de poços ou com cisternas para captação de água da chuva. Que o abandono em que vive a maioria da população do interior e que obriga as pessoas a deixarem seu chão em busca de uma vida melhor, é porque não convém aos governantes inescrupulosos, criar políticas de inclusão social e desenvolvimento da região. Eles ignoram as viúvas e seus meninos doentes. Por isso a seca, a falta de escolas, de hospitais... Mas isso Severina não sabia.

-Senhor Deus nosso Pai, nós te agradecemos por este alimento e te pedimos que o abençoe, assim como as mãos que plantaram o milho e as mãos que o cozinharam. Que nesta casa nunca falte o pão de cada dia! Amém! Severina estranhou aquela reza! Que nunca falte o pão de cada dia!...Não havia mais nada em casa! Comeu vagarosamente, o seu pedaço de broa.

Como já anoitecera, ela ofereceu para que Elias dormisse ali. Não devia se aventurar naquela escuridão! Iria esticar uma rede para ele.

Raimundo e Elias, logo adormeceram. Só Severina não conseguia pegar no sono. Pensamentos lhe atordoavam a mente. Lembrava do marido, dos filhos que haviam ido embora, dos que morreram... Pensou também em morrer. Se ela morresse, Raimundo estaria livre para procurar uma vida mais digna. A que eles viviam, nem bicho merecia!

O sol já despontava, quando os três acordaram quase que ao mesmo tempo.

Severina pensou:- O que vai ser de nós, sem água e sem comida?!...

Elias pediu que Raimundo o ajudasse a chegar à cidade.

Severina viu os dois sumirem na estrada. Pelo menos hoje o seu filho iria comer.

Enquanto caminhavam, Elias ia conhecendo a história do sofrimento daquela família e contou que era um missionário, que tinha vindo conhecer o verdadeiro drama das famílias sertanejas em plena seca. Havia se perdido e ido dar na casa deles. A acolhida que lhe deram e a partilha que fizeram do pouco que tinham para comer e beber, havia lhe mostrado o verdadeiro significado do texto da viúva de Sarepta (I Rs 17,7-16).

Hospedaram-se numa pensão onde tudo era tão precário, que banho só de balde, mas Raimundo quase morreu de alegria por poder banhar-se. Elias pediu que ele fosse buscar a mãe e pagou um mês de hospedagem. Ele precisava ir, mas voltaria.

Severina estava quase sem forças quando o filho chegou. Ele deu-lhe água e a comida que levara e contou o que acontecera. No dia seguinte pela manhã, iriam para o povoado. Por um tempo, não faltaria aos dois, água e comida.

Passados os trinta dias, como prometera, Elias voltou trazendo notícias dos filhos de Severina. Todos estavam bem. Rosa está em uma casa de família que a trata muito bem e estuda à noite. Jacinto foi para São Paulo viajando de carona, parando aqui, fazendo um servicinho ali... Dormiu na rua três noites. Encontrou um emprego de ajudante numa obra e foi tão bom no trabalho, aprendeu tanto, que hoje é mestre de obras. Casou e tem três filhos. Zé Bento e Antonio conseguiram chegar ao Rio de Janeiro. Por muita sorte, foram levados para um albergue, onde uma assistente social os encaminhou para trabalhar como faxineiros num edifício. Zé Bento hoje é zelador e muito querido pelos moradores. Antonio trabalha num escritório de advocacia e está fazendo o supletivo do 2º grau e se prepara para o vestibular de Direito. Quer ser advogado.

Severina mal podia acreditar no que ouvia. Ali mesmo agradeceu a Deus!

Elias encarregou-se de levar Severina ao encontro dos filhos.

Raimundo também vai poder realizar o sonho de trabalhar e estudar.

Severina à noite, revive os últimos anos de sua vida e de como tudo se transformou para melhor, a partir da chegada daquele homem enviado por Deus ao seu humilde casebre no meio do sertão e da oração que fizera: «Que nunca falte o pão de cada dia!»

 

Norma Serra

Icaraí - Niterói – RJ, Brasil

 


 



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