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O CÂNTICO DA FLORESTA AMAZÔNICA E DO ÍNDIO

O Cântico dos Cânticos

Rosa María AIRES DA CUNHA


 

 

ELA
Sou verde, mas formosa,
ó filhos e filhas da América do Sul!
Sou alta como os edifícios de São Paulo,
sou bela como os palácios do Planalto.
Não me olheis com desdém, por eu ser verde!
É o resultado da fotossíntese.
Alguns filhos de minha mãe,
fazendo descaso, invadiram-me.
A minha própria essência
eu não consegui guardar.
Dize-me, índio, amor da minha alma:
onde estás agora?
Onde vais caçar ao meio-dia?
Aonde foste com teus companheiros?
 
CORO
Se não o sabes, ó mais bela das florestas,
segue as pegadas dos invasores e destruidores,
vai até o acampamento deles.
 
ELE
Como és formosa, minha amada Floresta Amazônica!
Como és formosa com teus rios,
com tua flora, com tua fauna!
 
ELA
E tu, meu amado, como és belo,
com tua pele avermelhada;
como és encantador, todo enfeitado de penas!
 
ELE
Sucupiras serão a viga da nossa casa,
e embaúbas, as paredes.
 
ELA
Eu sou uma vitória-régia do Rio Amazonas,
sou uma orquídea rara.
 
ELE
Sim, como orquídea entre cipós
é, entre todas as florestas, a minha amada.
 
ELA
Como o jatobá entre árvores silvestres
é, entre os seres humanos, o meu amado.
À minha sombra eu gostaria
que ele sentasse tranqüilo,
pois meus frutos são saborosos ao seu paladar.
 
ELE
Conjuro-vos, ó filhos e filhas da América do Sul,
pelas araras e arapongas em extinção:
não desprezeis a minha amada,
nem a deixeis em abandono,
nem permitais a sua devastação,
nem o tráfico de seus animais,
nem a biopirataria,
nem a poluição das suas águas,
nem o corte ilegal de madeira,
nem o garimpo degradante.
 
ELA
É a voz do meu amado:
eis que ele vem saltando por entre as seringueiras,
transpondo os igarapés.
O meu amado parece uma onça-pintada,
um filhote de jaguatirica,
escondido no topo do jacarandá,
espiando entre os galhos,
espreitando atrás dos troncos dos jequitibás.
Ao chegar perto de mim, o meu amado me diz:
“Levanta-te, minha amada,
minha formosa floresta, e vem!
Rezemos para que
os invasores e destruidores se vão.
Rezemos para que
os fiscais do IBAMA consigam mandá-los embora.
Assim, no teu chão
aparecerão flores,
chegará o tempo da poda,
o uirapuru espalhará
seu canto na Amazônia inteira.
Do açaizeiro brotarão os primeiros açaís,
exalarão perfume os guaranás em flor.
Levanta-te, minha amiga,
minha formosa floresta, e vem!
Garça-real minha, nos igapós,
no esconderijo dos matupás,
mostra-me teu semblante,
deixa-me ouvir a tua voz!
Porque a tua voz é doce como a graviola,
é gracioso o teu contorno verde!”
 
CORO
Pegai para nós esses guarás,
esses irresponsáveis guarás
que devastam a Floresta Amazônica,
que destroem buritis em flor!
 
ELA
O meu amado é todo meu,
e eu sou dele.
Ele é um tucano entre as samambaias.
Antes que finde o dia e cheguem as sombras,
volta, meu amado
— imitando o mutum ou seu filhote — ,
para tua aldeia, ao abrigo das andirobas!
Em meu leito, durante a noite,
busquei o amor de minha alma:
procurei-o, mas não o encontrei.
Vou levantar-me e percorrer as picadas,
os meandros dos rios
e as choças abandonadas,
para procurar o amor de minha alma.
Procurei-o, mas não o encontrei.
Encontraram-me os fiscais do IBAMA,
que faziam ronda.
“Vistes o amor de minha alma?”
Assim que passaram por mim,
encontrei o amor de minha alma:
agarrei-me a ele e não o soltarei,
até trazê-lo de volta,
à aldeia onde ele nasceu.
 
ELE
Conjuro-vos, ó filhos e filhas da América do Sul,
pelo mico-leão-dourado em extinção:
não desprezeis a minha amada,
nem a deixeis em abandono,
nem permitais a sua devastação,
nem o tráfico de seus animais,
nem a biopirataria,
nem a poluição das suas águas,
nem o corte ilegal de madeira,
nem o garimpo degradante.
 
Como és formosa, minha amada Floresta Amazônica,
como és formosa
com teus rios, com tua fauna, com tua flora.
Teus cabelos são as copas de buritis,
de urucuns, de jatobás, de tucumãs.
Teus dentes são as onças, os macacos, os sagüis,
as piranhas, os apapás,
os botos, as pirambóias,
cada um com seu par,
quem dera sem perda alguma.
Teus lábios são os periquitos, papagaios, carumbés
e uirapurus de voz maviosa.
Tuas faces são metades de fruta-pão.
Teu pescoço é o tronco de portentosa seringueira,
da qual pendem milhares de pérolas brancas
do látex que gera riquezas.
Teus seios são os rios caudalosos,
fartos de tucunarés, peixes-bois, pirarucus
que alimentam, com fartura,
a imensa Amazônia.
És toda formosa, minha amada Floresta Amazônica,
e em ti não se encontra nenhum defeito.
Arrebataste meu coração, minha irmã e minha noiva,
arrebataste meu coração com um só dos teus olhares,
com uma só flor do teu colar de trepadeiras.
Como são suaves os teus carinhos,
minha irmã e minha noiva!
Teus carinhos são mais deliciosos
que o suco de cupuaçu;
teus perfumes têm mais aroma
que todos os bálsamos.
Teus lábios, minha noiva, destilam o mel do sapoti;
em tua língua há jambu com tucupi.
Tuas vestes têm a fragrância do angelim.
Tuas plantas são um vergel de juçaras,
vegetação toda selecionada:
jurubebas e bucutás,
tucumãs e tucuribás,
paxiúbas e sapucaias,
toda espécie de coqueiros e palmeiras,
os melhores bálsamos.
Teu Rio Amazonas é um manancial
que corre pelo teu corpo.
 
ELA
Desperta, povo do norte!
Aproxima-te, povo do sul!
Vinde cuidar de mim,
vinde me preservar para as futuras gerações,
porque sou eu quem vos protege
contra o aquecimento global,
pois sou eu que regulo
a temperatura do mundo!
Eu estava adormecida,
mas meu coração velava,
e ouvi o meu amado bater:
“Abre, minha irmã e minha noiva,
minha garça-real, meu primor!
Pois borrifaram a minha cabeça
com o veneno do ódio e da discriminação!”
 
Levantei-me para abrir ao meu amado,
com minhas mãos gotejando látex;
de meus dedos o látex escorria.
Então abri ao meu amado,
mas ele já havia ido embora.
Não consegui falar com ele;
procurei-o, mas não o encontrei;
chamei-o, mas não me respondeu.
Encontraram-me os invasores e os destruidores,
espancaram-me e me feriram;
arrancaram minhas raízes,
várias partes do meu corpo ficaram despidas.
Conjuro-vos, ó filhos e filhas da América do Sul:
se encontrardes meu amado,
anunciai-lhe que, embora ameaçada,
desfaleço de amor por ele!
 
CORO
O que faz o teu amado
ser diferente dos outros,
ó mais bela entre todas as florestas?
O que faz o teu amado
ser diferente dos outros,
para que assim nos conjures?
 
ELA
O meu amado tem a pele avermelhada,
inconfundível entre milhares;
sua cabeça é jenipapo puro,
seus cabelos são como leques de carnaubeira,
lisos e negros como a graúna,
enfeitados com penas de araraúna.
Seus olhos são tuins
à beira dos igarapés,
banhando-se em fontes puras,
detendo-se nas margens dos igaparás.
Suas faces são jardins de bromélias,
tufos de líquens.
Seus lábios são como mujica,
a destilar maniçoba.
Suas mãos são braceletes de mururés
guarnecidos de penas de araras-azuis.
 
CORO
Aonde foi o teu amado,
ó mais bela das florestas?
 
ELE
Tu, que habitas nos jardins da América do Sul,
teus amigos te escutam;
deixa-me também ouvir a tua voz!
 
ELA
Foge rápido, meu amado
— imitando a onça-pintada ou o filhote dela —,
pelos matupás perfumados!

 

 

Rosa Maria Aires Da Cunha

Santos - São Paulo - BRASIL

 


 



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